sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

EU, MENINO...E ELE


Eu, menino, sentado na calçada sob um sol escaldante, observava a movimentação da turba em volta e tentava compreender o que ocorria.- Que é o Natal - indagava-me, em silêncio.Eu, menino, ouvira falar que aquele era o dia em que o Papai Noel, no seu trenó puxado por renas, cruzava os céus distribuindo brinquedos a todas as crianças.- E por que então eu, que passo a madrugada ao relento, nunca vi o trenó voador - perguntava-me. - Onde estão os meus presentesE eu, menino, concluía que não deveria ser isso o Natal.Talvez fosse um dia especial, em que as pessoas abraçassem seus familiares e fossem mais cordiais umas com as outras. Talvez fosse o dia da fraternidade e do perdão.- Mas então por que eu, sentado no meio-fio, não recebo sequer um sorriso - inquiria-me, perplexo. - E por que trabalha a polícia no NatalE eu, menino, entendia que não devia ser assim...Imaginava que talvez o Natal fosse um dia mágico em que as pessoas enchiam as igrejas em busca de Deus.- Por que, então, não saem de lá melhores do que entraram - debatia-me, na ânsia de compreender aquela ocasião enigmática.Via risos, mas eram gargalhadas que escondiam tanta tristeza e ódio, tanta amargura e sofrimento...E eu, menino, mergulhado em tão profundas reflexões, vi aproximar-se um homem. Era um belo homem. Não era gordo nem magro, tão alto quanto baixo, nem branco, nem preto, nem pardo, amarelo ou vermelho.Era apenas um homem com olhos cor de ternura e um sorriso em forma de carinho que, numa voz com tom de afago, saudou-me:- Olá, menino!- Oi... - respondi, tímido.E, num quase êxtase de admiração, vi-o acomodar-se a meu lado, na calçada, sob o sol escaldante.Eu, menino, na naturalidade de menino, aceitei-o como amigo num olhar. E atirei-lhe a pergunta que me inquietava e entristecia:- Que é o NatalELE, sorrindo ainda mais, respondeu-me, sereno:- Meu aniversário.- Como assim - indaguei-lhe, percebendo que estava só. - Por que não estás em casa Onde estão os teus- Essa - falou-me, apontando a multidão que vagava - é a minha família.Eu, menino, não compreendi.- Também tu fazes parte da minha família... - acrescentou, aumentando a confusão.- Não te conheço! - rebati.- É por que nunca te falaram de mim. Mas eu te conheço. E te amo...Estremeciam-me de emoção aquelas palavras, na minha fragilidade de menino.- Deves estar triste - comentei. - Estás só no dia do próprio aniversário...- Neste momento, estou contigo - respondeu-me, meneando a cabeça negativamente.E conversamos. Uma conversa de poucas palavras, muito silêncio, muitos olhares e um inefável transbordar de sentimentos, naquela prece que fazia arder o coração e a própria alma.O sol entregou o céu às estrelas.E conversamos. Eu, menino, e ELE.E ELE me falava, e eu o amava. E eu o absorvia. E eu o sentia.Eu, menino: cordas. ELE: artista. E se fez melodia entre nós!...E eu, menino, sorri...Quando a noite cedeu vez à madrugada, enquanto piscavam as luzes que adornavam as residências, ELE se ergueu e pressenti que era a despedida. Suspirava, de alma renovada.Abracei-o pela cintura, dizendo:- Toma o meu presente... Feliz aniversário!Ergueu-me no ar, com seus braços fortes-fracos, tão fortes quanto a paz, e disse-me:- Presenteia-me compartilhando este abraço com a minha família, que também é tua... Ama-os com respeito. Respeita-os com ternura. Sê terno com carinho. Acaricia-os com justeza. Julga-os com amor... E tem um feliz Natal!Porque não quisesse vê-lo ir-se embora, saí correndo em disparada pela rua. Abandonei-o, levando-o para sempre no mais íntimo do coração. Fui em busca de braços que aceitassem os meus...E eu, menino, nunca mais o vi. Somente quando deixei de ser menino ouvi novamente falarem daquele amigo da noite de Natal: Jesus.E eu, menino, sorri...

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